quarta-feira, 2 de fevereiro de 2005

Por que detesto o carnaval


Por que detesto o carnaval

E estamos a poucos dias do tão aguardado carnaval. Aguardado, devo ressaltar, não por mim, mas pelos milhares de 'foliões' brasileiros que esperam ansiosamente para 'cair na gandaia'. Particularmente detesto o carnaval, não suporto samba ou qualquer coisa relacionada a isso. E não é de agora. Desde criança nunca tive muita afinidade com essa parte da nossa 'cultura'. Uma das coisas que me faziam detestar o carnaval era a exibição dos desfiles e apurações das escolas de samba na televisão. Quase todas as emissoras mudavam sua programação vespertina, transmitindo o carnaval e eliminando a sessão de desenhos animados durante a tarde toda. Para uma criança que queria aproveitar os dias em casa assistindo Fantomas, Menino Biônico, Patrulha Estelar e outros, não havia nada pior do que o carnaval.

Acho que a única vantagem dessa época é o fato de ser feriado. De resto não consigo ver nada de proveitoso em salões entupidos de gente pulando feito pipoca e suando como porcos, músicas de fazer inveja a qualquer método de lavagem cerebral, drogas sendo consumidas feito água, o sexo mais banalizado do que nunca, pessoas caindo bêbadas pelas ruas, aumento de crimes, brigas, mortes e acidentes em várias estradas. Mas tudo bem, pois, essa é uma festa do povo, não? O brasileiro, tão sofrido, tem o 'direito' de se divertir. E -– pergunto eu, ignorante -– essa é a única forma de diversão que conhecemos?

Outra coisa que não consigo entender são os milhares e milhares de reais gastos em fantasias, carros alegóricos, etc. Todo mundo vive reclamando da falta de dinheiro o ano inteiro, mas eis que, durante a época festeira, este tão perseguido conforto financeiro surge como que por mágica. O governo, é claro, faz seu papel e também contribui para essa diversão sadia -– pane et circenses. Só aqui, mesmo, é que vemos um morador de favela dizer que desfilar no carnaval é a realização do sonho da sua vida, alegando que todas as suas dificuldades são esquecidas na passarela – passa-se fome, mas a diversão está garantida. Daí concluo, então, que depois de desfilar no carnaval, qualquer pessoa poderia morrer em paz, pois estaria realizada. Ter uma vida digna, educação, saúde, crescimento profissional e colaborar com o desenvolvimento da sociedade são apenas detalhes mínimos se comparados à magia de estar comemorando a tal "festa da carne".

Como se não bastasse nosso próprio povo ficar deslumbrado com essa balbúrdia, nessa época também somos invadidos por turistas oriundos dos mais diversos lugares do planeta. E a mídia brasileira usa e abusa dos estrangeiros para enaltecer essa perda de tempo. Toda hora aparece um alemão, suíço ou japonês dando entrevista e dizendo que essa é a "melhor festa do planeta". Sem dúvida, se o que você procura se encaixa no que descrevi dois parágrafos acima, o carnaval é o lugar ideal para se estar.

Mas esperar o quê de um país como o nosso? Estamos há tanto tempo atolados na lama, que qualquer coisa que se assemelhe à diversão é recebida de braços abertos. E assim passamos os anos, repetindo os mesmos erros do passado e tapando os ouvidos para as poucas vozes revestidas de razão que se levantam, vez ou outra, para tentar nos despertar desse engodo a que nos submetemos por décadas a fio. Essas vozes, entretanto, são cada vez mais raras e dispersas, abafadas pelo som em uníssono de uma multidão ruidosa que clama aos quatro ventos: ala-laô-ô-ô-ô-ô!