quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Adeus ao bom velhinho

Em 1931, a Coca-Cola solicitou ao ilustrador Haddon Sundblom que desenvolvesse a imagem de um Papai Noel "humano" - antes do trabalho de Sundblom, as pessoas imaginavam o Papai Noel (ou São Nicolau) como uma espécie de gnomo ou leprechau. O pedido da Coca-Cola baseava-se em uma resposta positiva do público a um anúncio que mostrava o primeiro conceito desse personagem que seria absorvido pelo público de todo o mundo como uma tradição natalina.

Para criar o Papai Noel, Sundblom buscou inspiração no poema de Clement Moore, de 1822, intitulado Uma Visita de São Nicolau. A descrição que Moore fez do fabricante de brinquedos como um "velho rechonchudo e bem humorado" levou à criação da imagem do Papai Noel amigável e humano que conhecemos hoje.

Sundblom usou seu amigo e vizinho, Lou Prentice, um vendedor aposentado, como modelo para as ilustrações. Após a morte de Prentice, em 1940, Sundblom passou a usar a si mesmo como modelo e, por 35 anos, pintou retratos do Papai Noel para os anúncios da Coca-Cola. Haddon Sundblom morreu em 1976.

A imagem do Papai Noel de Sundblom tornou-se uma poderosíssima marca na tradição do natal e ganhou vida própria, sendo usada como decoração e até protagonizando diversos filmes hollywoodianos. Não fosse um amigo me contar essa história anos atrás, fazendo-me pesquisar mais a fundo as origens do bom velhinho de roupas vermelhas, eu jamais faria a associação com a Coca-Cola.

Então leio nesta semana a notícia de que o Papai Noel está sendo banido da Alemanha e da Áustria, acusado de ser invenção da Coca-Cola e de destruir o verdadeiro espírito de natal. Existe por lá um movimento impedindo o uso da imagem do bom velhinho entre os comerciantes que quiserem vender suas mercadorias no natal.

"Nós somos contra as coisas materiais, a ânsia de comprar, e esse homem de barba branca e de vermelho destruiu o real espírito do natal", afirma Bettina Schade, uma das organizadoras do movimento. Que Papai Noel jamais teve ligação alguma com o natal, compreende-se. Mas acusá-lo de fomentar o materialismo e a ânsia de comprar simplesmente porque sua imagem foi concebida pela Coca-Cola (há 75 anos!), é ridículo. Aliás, o conceito do Papai Noel já existia há muito mais tempo e é originário da própria Alemanha. A senhora Bettina deveria lutar, então, contra todo o comércio no natal - se usar a imagem do Noel, não pode vender; mas se não usar, pode? Que se proíba também o poema de Clement Moore. Ou, melhor ainda, por que ela não se movimenta para impedir o consumo de Coca-Cola no natal?

Até onde consigo lembrar, sempre ouvi dizer que o natal estava "comercial demais", portanto, afirmar hoje que o Papai Noel destruiu o espírito do natal não faz muito sentido. Aliás, arrisco dizer que esse "espírito" só existe no inconsciente coletivo das pessoas, porque ninguém sabe dizer como seria um natal "não comercial".

Existe, claro, a questão religiosa, mas nessa parte prefiro não entrar. Há quem comemore o natal e quem não comemore, assim, que cada um faça o que lhe parecer melhor. Não custa dizer, entretanto, que, dado o verdadeiro significado do natal, ele poderia ser comemorado todos os dias do ano, dentro do coração das pessoas, sem a necessidade de uma data específica para isso. Bolas, árvores, neve artificial, luzes coloridas e todo o resto são nada mais do que simples objetos.

Eu poderia até dar razão à Bettina Schade, se seus argumentos fossem outros além do patogênico combate ao consumismo, usando a Coca-Cola como desculpa para disparar suas farpas. Se nessa época do ano as vendas podem melhorar e ajudar a vida de patrões e empregados, por que lutar contra? Que vendam mais e mais! Não será a presença ou ausência do Papai Noel que influenciará as pessoas a comprarem.

Confesso que nunca acreditei em Papai Noel. Sempre soube que aqueles senhores de vermelho que eu via em shoppings eram apenas velhinhos contratados para alegrar as crianças e atrair os pais. É dessa forma que pretendo criar meus filhos, instruindo-os desde os tenros anos a identificar um engodo. Vocês podem dizer que a criança precisa de fantasias para desenvolver a imaginação. Concordo, mas fantasias não se restringem a Papai Noel. As fábulas de Ésopo, por exemplo, são riquíssimas em conteúdo e nem um pouco enfadonhas.

Por fim, criação da Coca-Cola ou não, Papai Noel é apenas um personagem fictício. O que não é o caso do Coelhinho da Páscoa. Esse sim existe! E ninguém me convencerá do contrário.