terça-feira, 28 de agosto de 2012

O que podemos aprender andando de metrô

O que podemos aprender andando de metrô
Há um ano e meio tenho ido trabalhar de metrô. Metrô e trem. O carro fica com minha esposa, que leva 15 minutos pra chegar ao trabalho; enquanto eu levo cerca de 1h20 (mesmo se fosse de carro). Foi uma decisão lógica, já que gastamos a mesma coisa – eu com passagens, ela com gasolina. Se invertêssemos, ela continuaria gastando o mesmo, já eu triplicaria esse valor.


Mas não é sobre gastos que pretendo falar, e sim com o fascinante aprendizado antropológico que se pode aprender no metrô e trem. Meu trajeto consiste em pegar a Linha Verde na Estação Vila Prudente, seguir até a Consolação, fazer baldeação para a Linha Amarela, seguir para a Estação Pinheiros, fazer baldeação para a CPTM na Linha Esmeralda e ir até a Estação Berrini. De lá, mais uns 10 minutos de caminhada até a empresa. Na volta, é o caminho inverso.

Ando de metrô em São Paulo desde garoto, quando só existiam as linhas Vermelha e Azul. Minhas incursões ao centro da cidade, às livrarias e sebos, à Galeria do Rock e ao bairro da Liberdade sempre foram feitas de metrô – mesmo depois de ter um carro. Mas é claro que os tempos mudaram. A fauna aumentou e, com ela, o contato e o calor humano. Creio que uma salutar visita ao metrô e aos trens da CPTM poderia explicar muito sobre os hábitos coletivos do paulistano. Qualquer sociólogo ou antropólogo pode se deliciar com uma infinidade de informações. Eu mesmo já aprendi muito, como listo a seguir.

Andando de metrô e trem eu aprendi que:

  1. As pessoas não sabem a diferença entre esquerda e direita nas escadas e corredores.
  2. Educação e respeito são itens opcionais, portanto, deixe-os em casa.
  3. Fila indiana por ordem de chegada é bobagem, amontoe-se ao lado do primeiro da fila e entre correndo na frente dele assim que as portas abrirem.
  4. As placas de sinalização estão ali com o objetivo de serem ignoradas.
  5. Os engenheiros que projetaram as estações são babuínos com Alzheimer que nunca tiveram contato com um ser humano na vida.
  6. O fato de desligarem as escadas rolantes e esteiras em horários de pico só reforça a afirmação acima.
  7. Zíbia Gasparetto é a alta cultura literária dos usuários da Linha Verde. Na Linha Amarela, você só é culto se estiver lendo os pesados volumes de Game Of Thrones (em inglês, nunca as traduções).
  8. Ninguém nasce com preconceito, ele é adquirido andando de trem e metrô.
  9. Se você vai descer na próxima estação e o vagão está lotado, espere até as portas abrirem para avisar isso e comece a empurrar todo mundo.
  10. Trens lotados não significam que você deve esperar o próximo, e sim jogar-se para dentro até quebrar as costelas de alguém.
  11. Nem todos os idosos são bonzinhos e adoráveis.
  12. Nunca se deve esperar as pessoas saírem do vagão para entrar. Empurre-as de volta na aglomeração como se sua vida dependesse disso.
  13. Responder mensagens pelo celular (ou ler um livro) enquanto anda é ótimo para atrasar a vida de todos que estão atrás de você.
  14. Os bancos reservados para idosos e deficientes causam sonolência incontrolável em pessoas comuns. Sem falar na dor, pois muitos que sentam nesses bancos sob o olhar reprovador das pessoas fazem uma careta de dor, fingindo passar mal.
  15. A Linha Esmeralda (CPTM) já teve mais de 91 falhas desde o começo do ano, ou seja, de janeiro pra cá, foram praticamente três meses com problemas.
  16. O ser humano não foi criado para viver em sociedade.
Se você também tirou grandes lições de vida do transporte público, fique à vontade para comentar e aumentar esta lista.

sábado, 14 de abril de 2012

O brasileiro está lendo menos?

O brasileiro está lendo menos?
Há milhares de anos, quando estudei desenho no colegial técnico, tínhamos o hábito de comparar preferências de leitura com os colegas de classe. Estávamos saindo da adolescência e, ainda que egressos das histórias em quadrinhos, nosso universo cultural era amplo – nos interessávamos por assuntos diversos e não apenas os relacionados às nossas pretensas carreiras.


Da antiga turma, o Tarcísio Salvador (de quem perdi contato há anos) dizia que deveríamos ler de tudo ou seríamos "semimortos". Ele era um filósofo-intelectual com visual gótico e sempre vinha com assuntos transcendentais. Mas tinha razão – se lêssemos apenas quadrinhos porque desejávamos ser desenhistas, estaríamos limitados a um universo insignificante comparado à riqueza de assuntos que o mundo literário oferecia.

Ler enriquece, transforma, liberta. Somente pela leitura o ser humano pode sair da barbárie. Difícil encontrar leitores inveterados que gostem de multidões, barulho e algazarras. A leitura nos torna civilizados. E civilização é silêncio.

Sinto agonia quando não tenho nada para ler. Em casa sempre estou com livro em punho. Geralmente leio dois por vez – um no tradicional formato de papel e outro digital, no iPod – graças aos e-books ampliei meu volume de leitura.

Não tenho muito respeito por quem não lê ou não gosta de livros. São pessoas limitadas com as quais não dá para manter longos diálogos. Muito diferente de quando conversamos com alguém que lê muito, onde horas de bate-papo sequer são notadas.

E há algumas semanas vi a curiosa notícia de que o hábito de leitura caiu no Brasil. O brasileiro está lendo menos, é o que nos diz uma pesquisa do Instituto Pró-Livro em parceria com o Ibope. O número de leitores caiu de 95,6 milhões (55% da população), em 2007, para 88,2 milhões (50%), em 2011.

De acordo com Marina Carvalho, supervisora da Fundação Educar DPaschoal, uma das razões para a queda no hábito de leitura é a falta de estímulos vindos da família. “"Se em casa as crianças não encontram pais leitores, reforça-se a ideia de que ler é uma obrigação escolar”, diz a especialista. “As crianças precisam estar expostas aos livros antes mesmo de aprender a ler. Assim, elas criam uma relação afetuosa com as publicações e encontram uma atividade que lhes dá prazer.”"

Nisto estou de acordo. Da minha parte comecei a ler cedo, ainda criança. Não só quadrinhos, mas qualquer livro que me caísse em mãos. Tanto na casa dos meus pais quanto na dos meus avós sempre havia livros dando sopa. Mesmo que não compreendesse bem os assuntos, gostava de mergulhar na leitura. Hoje, para mim, ler é tão vital quanto respirar.

Mas não entendo as campanhas de incentivo à leitura. Ou você gosta de ler, ou não gosta. Como incentivar alguém a fazer algo que considera uma tortura? Duvido que alguém mude de opinião por causa de um cartaz dizendo que ler é bom. Não que eu seja contra o incentivo à leitura, só não vejo eficácia nele. Se desde criança a pessoa não gosta de ler, não é de adulta que mudará de ideia – ela sempre preferirá futebol e novela a um Herman Melville. Até porque, elevando-se a cultura literária da população, adeus futebol e novela.

Que o leitor do blog não pense que desejo extinguir o futebol. Óbvio que se pode curtir um jogo do seu time e ainda assim ler bons livros – mas o esporte deixaria de ser a única forma de entretenimento. Já novelas deviam desaparecer.

Volto ao fato de que o brasileiro está lendo menos. E acho a pesquisa duvidosa, afinal, quando o brasileiro leu mais? Fato que vejo bastante gente com livros no metrô. Mas mesmo esses são minoria ante a massa inculta. E há de se analisar ainda a qualidade do que se lê –-- de nada adianta aumentar leitores de Paulos Coelhos e Stephenies Meyers da vida.

Eu não tenho nenhuma fórmula mágica para fazer o brasileiro ler (bons) livros. Nunca parei para pensar nisso. Há vários fatores envolvidos. Talvez a saída fosse a grande mídia, principalmente a televisão, iniciar uma campanha massiva com personagens, atores e celebridades sempre recomendando livros. Mas a televisão não faria uma campanha que acabaria prejudicando a si própria. Sem mencionar que celebridades também não conhecem bons livros.

Se os pais não leem e não transmitem o prazer da leitura aos filhos, estes por sua vez não terão o que repassar a seus filhos – nisso já temos três gerações avessas a livros. Resta aos professores a tarefa de fazer os alunos se interessarem pela leitura, mas aí esbarramos nos livros que o governo os obriga a ler. E convenhamos que entre certos autores nacionais e o analfabetismo, a escolha é difícil.

Volto à pré-história: Trabalhei em uma locadora de games quando garoto. Fazíamos promoções em que o cliente alugava os jogos num dia, passava o final de semana e pagava uma diária na segunda. Quem atrasasse pagava as diárias extras. Foi o caso de um senhor que, ao me entregar os jogos, cobrei-lhe os dias a mais. Ele questionou o valor e expliquei sobre o atraso. Ele perguntou onde estava escrito que deveria pagar a multa e eu lhe mostrei o papel que ele havia assinado, onde havia o texto explicativo e, também, apontei para um enorme aviso colado na parede com esse mesmo texto. E ele, irritado: "Ah, mas brasileiro não lê".

E estamos assim há décadas. Quanto menos as pessoas leem, mais arrogantes, manipuláveis e rasas se tornam. Se há uma coisa que todos os livros que li me ensinaram, é que quem lê muito reconhece que não sabe nada; e quem não lê nada acha que sabe muito.

quinta-feira, 22 de março de 2012

A biografia de Steve Jobs

A biografia de Steve Jobs

Finalmente terminei de ler a biografia de Steve Jobs – sim, sei que já saiu faz tempo, mas as quase 600 páginas precisaram dividir o tempo entre trabalho, freelances e vida pessoal. É leitura que recomento de olhos fechados. Já publiquei aqui antes 10 curiosidades sobre Jobs, e agora concluo com uma análise de sua biografia.

O trabalho feito pelo veterano jornalista Walter Isaacson é impecável. E, uma vez que o livro escapou dos poderes ultracontroladores de Jobs (ele não interferiu na execução), torna-se uma obra imparcial e autêntica. Não é preciso conhecer muito de tecnologia e nem ser um fã da Apple para apreciar o livro. Devo dizer que fiquei triste quando estava nas últimas páginas. Esse é daqueles livros que você torce para não acabar.

Isaacson nos coloca sempre ao lado de Jobs, como se participássemos de cada reunião de negócios, de cada nova ideia e – o mais constante – de cada acesso de raiva e descontrole do fundador da Apple. O livro nos dá o melhor e o pior de Jobs, sem dourar a pílula. Há entrevistas com executivos que se envolveram em colossais bate-bocas com Jobs e que não voltaram a falar com ele.

Uma coisa que me fascina quando vejo um bom trabalho não é saber "como a pessoa fez isso" e sim "como ela raciocinou para chegar a esse resultado". E nesse ponto Isaacson consegue penetrar na mente de Jobs e nos mostrar como ele teve as ideias que levaram à criação do Apple II, do Macintosh, do iPod, iPhone e iPad – aliás, fiquei surpreso ao descobrir que o iPad foi criado antes do iPhone, mas ficou 'engavetado' por um tempo.

Mas Steve Jobs também era um sujeito insuportável. Não tinha o menor tato ao lidar com as pessoas, ofendia todo mundo e não poucas vezes membros da equipe saíam chorando de reuniões com ele – isso quando ele mesmo não chorava nas reuniões para conseguir o que queria. Jobs adotou a filosofia zen-budista para sua vida, mas é curioso notar que ele usou esses conceitos mais em seus produtos do que em si próprio. Isso teve alguns resultados positivos, pois muitos funcionários da Apple disseram que não teriam feito o 'impossível' sem a pressão de Jobs – mas concluíram que teriam o mesmo resultado sem insultos e explosões de ira.

Steve Jobs também não era tão inteligente. Cometeu muitos erros e muitas das funcionalidades brilhantes dos produtos da Apple não vieram dele. Sua teimosia às vezes custava caro, por isso sua equipe aprendeu a se antecipar e várias vezes faziam exatamente o oposto do que ele pedia (sem que ele soubesse). E no fim provavam que ele estava errado.

Quando Jobs foi demitido da própria Apple pelo corpo diretivo, seu ego estava tão insuportavelmente inflado que não consegui sentir pena – foi mais um "bem feito". Mas seu retorno anos depois, evitando a falência e colocando a Apple de volta no mercado é um dos pontos altos do livro. Claro, nesse intervalo ele nos brindou com a Pixar.

Sua obsessão por design e perfeição era tamanha que, no hospital, já muito debilitado pelo câncer, se recusou a colocar a máscara de oxigênio porque era "muito feia", e exigiu que lhe mostrassem cinco modelos diferentes para escolher.

Emocionante também é última visita que Bill Gates faz a Jobs, já com a doença bastante avançada, em sua casa. Foram horas de bate-papo em que ambos admitiram que o sistema de negócios de cada um funcionou bem. Uma espécie de conversa reconciliadora.

Steve Jobs não foi o homem mais importante do mundo e nem era infalível. A visão que algumas pessoas têm dele é errônea. Mas também não era um monstro. Foi um visionário apaixonado pela empresa que criou e pelos produtos que desenvolvia. Ele não aceitava a criação de nada enquanto não se sentisse emocionalmente envolvido com o que estivesse fazendo. Era capaz de jogar fora meses de trabalho e recomeçar do zero apenas por causa da cor de um parafuso imperceptível aos consumidores.

Se aprendi algo com esse livro, foi a coragem de analisar os trabalhos que já fiz e pensar: "Isso é um monte de lixo". E imaginar como um esforço maior e perfeccionista pode ser aplicado em trabalhos futuros.

Todo dia vejo no metrô pessoas lendo a biografia de Steve Jobs. Espero que, mais do que um passatempo, elas possam chegar a essa mesma conclusão que eu cheguei.