domingo, 6 de novembro de 2016

Por que parei de ler notícias (e por que você deveria fazer o mesmo)

Há um bom tempo deixei de ler notícias. Ou, colocando em outra perspectiva, deixei de me importar com notícias. Parei de acessar sites de notícias do país e, principalmente, deixei de ler sobre política, tema pelo qual sempre me interessei.
Não que esteja alienado, pois é impossível não saber ao menos as principais manchetes, já que elas chegam até você, queira ou não.
Mas procuro não clicar nos links e, também, tenho cumprido o que prometi a mim mesmo: Nunca mais debater na internet.
Eu já andava meio distante das notícias e evitando embates inúteis, mas acabei por remover essa perda de tempo definitivamente.
Tomei essa decisão quando ouvi alguém que admiro comentar que “somos só peregrinos aqui”. Por mais óbvio e clichê que essa frase pareça, e por mais que já a tenha ouvido antes, naquele dia ela ecoou diferente dentro de mim e foi o empurrão que faltava para que eu tomasse essa decisão em definitivo, livrando-me finalmente do que me fazia perder tempo.
E o que isso mudou efetivamente na minha vida?
O primeiro ganho imediato foi a paz. A indescritível sensação de alívio ao notar que você vive bem (e melhor!) sem tantas informações no seu dia. Você não precisa saber tudo o que está acontecendo, e muito menos se importar com tudo.

Foi como se tivesse removido um muro que carregava nas costas todos os dias. Afinal, você acaba percebendo não faz nada de útil com as notícias que lê. Ao contrário, elas te deixam mais irritado e nervoso.

O político tal foi pego em corrupção? Aquele outro quer acobertar falcatruas? Estão querendo mudar isso ou aquilo? Ganhou este ou aquele na eleição? O ator/atriz apoia isso ou aquilo? E daí? Há quem os aplauda, e há quem os critique. Eu resolvi não ser nenhum dos dois, pois, olhando hoje quem ainda continua debatendo nas redes sociais, noto o quão chato e inconveniente fui. E com isso, vem o alívio de não mais fazer parte desse atraso de vida.

Isso não muda em absoluto minhas convicções, crenças e valores. Eu não preciso ficar argumentando, debatendo e ‘provando’ que estou certo, enviando links e citações a quem quer que seja. A mim, basta-me a paz e exemplificar minhas crenças no meu modo de viver e tratar os outros. Buscar sempre a razão e a lógica pode ser o maior limitador da sua vida.

Meu segundo ganho foi o tempo. Para ser mais produtivo e para estudar o que realmente faz a diferença na minha vida. Como disse no início do texto, não parei efetivamente de ler notícias, mas deixei de me importar com as que em nada me acrescentam.

Ainda gosto de bom jornalismo, de bons textos e artigos. Estes eu encontro lá fora. Seja o Corriere della Sera italiano, o Le Monde francês, o El País espanhol e um ou outro artigo de negócios do Huffington Post americano (que não é grandes coisas, também). Estes dois últimos, por sinal, têm versões brasileiras que recomendo passar longe – falta à criançada que lá escreve boas doses de realidade, maturidade e espírito investigativo em vez de opinativo.

Minha fonte de informações mais eficaz tem sido o Flipboard, aplicativo que agrega notícias de acordo com as preferências de leitura do usuário. Montei lá minhas ‘revistas digitais’ com os temas que me interessam e são relevantes para o meu trabalho e desenvolvimento pessoal (sem nenhuma fonte brasileira, diga-se de passagem), e é dali que tiro minhas informações.

Sem falar nos livros – tanto os de papel quanto os e-books. Estes não faltam aqui em casa.

Assim, caríssimo leitor, se você tem vontade de deixar para trás o que em nada lhe acrescenta, se quer sentir-se mais leve e livre de sentimentos negativos, se quer parar de se irritar e ficar brigando com seus amigos, vai, dá esse passo agora: Fecha essa página de notícia. Ela não é mais importante do que a sua paz de espírito.

A opinião daquela pessoa não “dividiu a internet”, pois amanhã ninguém vai lembrar dela. Aquele vídeo ou foto não “viralizam”, pois só meia-dúzia de leitores do site viu e já esqueceu.

Os veículos de comunicação se preocupam mais com pageviews do que com fatos. Não caia nessa – se eles realmente quisessem oferecer conteúdo de qualidade, dariam pouca ou nenhuma visibilidade às seções de entretenimento (que falam da vida dos ‘famosos’, novelas, etc.). Mas como a quantidade de parceiros sexuais daquela atriz rende mais acessos, que se há de fazer?

Sim, é importante estar bem informado. E uma rápida corrida de olhos nas principais manchetes do dia é o suficiente para isso. Se quer ler algo que valha a pena, então comece pelas seções de Dinheiro e Economia, junto com as de Ciência e Tecnologia. É lá que está o que realmente interessa.

Que mais não seja, é gratificante a sensação de quando alguém chega para você, esbaforido, e pergunta “soube da última”? E você, com um sorriso no rosto que lhe confere o aspecto de um Buda embriagado, apenas responde: “Não, e não preciso saber”.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Não foi o Fabinho!

Por anos isso me acompanhou e me consumiu por dentro. Sempre que eu tentava esquecer, o fato voltava à mente e me tirava a paz. Você não faz ideia do que é ser o único a saber de algo e guardar para si por tanto tempo.

Como já não tenho paz e não desejo levar isso para o túmulo, finalmente decidi desabafar. Relato a seguir os fatos tais como realmente aconteceram:

A sala estava cheia. Diversas mesas dispostas aleatoriamente reuniam grupos de quatro ou cinco de nós ao seu redor. Cada grupo envolvido em suas atividades, e cada indivíduo concentrado nos seus afazeres.

Apesar disso, havia conversas e risadas – muitas vezes para aliviar a tensão do que estávamos fazendo. Para muitos ali, era a primeira vez que se deparavam com algumas daquelas tarefas e instrumentos.

Eu mesmo estava nervoso, pois a coisa toda não era fácil e exigia muita coordenação. A simples ideia de não conseguir terminar nos apavorava. Nós ouvíramos histórias do que acontecera a quem não concluía o que lhes fora ordenado, e eram terrivelmente assustadoras.

Talvez esse medo tenha influenciado meus atos.

Lá estávamos nós, reunidos e concentrados no trabalho quando, em uma impensada atitude –para mostrar aos outros que eu era ousado e destemido – ergui a tesoura até a altura da minha testa. Os olhos assombrados de toda a mesa se voltaram para mim. Sentindo a adrenalina tomar conta do meu corpo e sabendo que, depois disso, minha reputação cruzaria oceanos, não titubeei.

Puxei uma mecha dos meus cabelos (naquela época a franja quase me cobria os olhos) e, com um movimento seco e certeiro, cortei-a com a tesoura, jogando-a no chão. Os colegas ao redor não acreditaram no que viram. Naquele momento, eu estava acima de todos eles. Eu era o melhor. O mais admirado. Eu reinava absoluto e nada poderia me deter. Nada!

 A não ser, é claro, o infortúnio. Minha reputação teria cruzado oceanos e hoje eu estaria em alguma cobertura em Dubai, dando festas memoráveis e sendo idolatrado em todo o mundo. Mas quis o destino que o caminho levasse a um desfecho diferente, ali mesmo, naquela mesma tarde.
Foi quando ela surgiu. Ela sempre passava por ali, mas nunca lhe déramos atenção. Ela era quase invisível para nós. Mas, naquela tarde, ela parou ao meu lado. Foi quando o meu reinado desmoronou.

A tia da limpeza, que varria a sala, abaixou e pegou a mecha do meu cabelo. Olhando para nós, ela perguntou: – Quem fez isso? Silêncio. Ela insistiu. Ninguém abriu a boca. Então ela olhou para nós, um por um, até que seus olhos pararam em mim. Eu usava um cabelo ‘tigelinha’ e não era difícil perceber que algo faltava na minha testa. Ela esticou o braço e encaixou a mecha de cabelo na falha da minha testa, tal qual uma peça de quebra-cabeça.

No mesmo instante ela me pegou pelo braço e me levou à sala da diretora. Um pavor inominável se apoderou do meu corpo. Eu não conseguia pensar, não conseguia falar e nem respirar. As lágrimas já brotavam dos meus olhos. O terror do desconhecido fazia meu coração parar.

Não ouvi direito o que a faxineira e a diretora diziam. Algo como “poderiam ter se machucado” ou coisa assim. A diretora olhou para mim e perguntou: – Quem fez isso?

Então eu, que minutos antes transbordava autoconfiança e poder, derreti-me em um pedaço de geleia e, entre soluços, covardemente exclamei: – Foi o Fabinho!!!

E chamaram o Fabinho, que estava sentado ao meu lado. E o Fabinho, aos prantos, negava veementemente ter feito aquilo. O Fabinho levou uma bronca. Ele não ajoelhou no milho, não ficou trancado no quarto escuro onde habitava o monstro e nem foi tirado para sempre do seio de sua família, como nas histórias que ouvíramos. Mas levou uma bronca. E eu também. Mas a culpa ficou com Fabinho.

Voltamos à mesa, para continuar nosso trabalho da Pré-Escola, de colagem e pintura. Mas as coisas haviam mudado. Eu não era mais o maioral. E o Fabinho chorava, sendo consolado pelos outros colegas. Eu me senti um verme desprezível, mas, por medo e vergonha, jamais contei a verdade. Até hoje.

Hoje expurgo esse sentimento de mim. Hoje faço as pazes comigo mesmo, revelando ao mundo essa atitude covarde e criminosa que escondi de todos desde o ano de 1980.

Hoje, ainda que tantos anos tenham passado, posso ao menos reconstruir a cena na minha mente e, quando a fatídica pergunta me é feita mais uma vez, tenho a coragem de encher o peito e exclamar aliviado:

– Não foi o Fabinho!

E do Fabinho, nunca mais tive notícias – espero que esse incidente não o tenha levado para uma vida de crimes e perdição. Do Pré fui para a 1ª série, em outra escola, e jamais tive contato com a velha turma.

Se você, que está lendo esta bombástica revelação, conhece o Fabinho, que estudou na Escolinha Padre Raposo, em 1980, na Rua Cuiabá, na Mooca, peço-lhe a gentileza de compartilhar este texto até que chegue às mãos dele. Nunca é tarde para corrigir os erros do passado.