sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Brasileiros pagam R$ 15 mil para ouvir pessoas falando português

Pelo preço de uma viagem de sete dias à Europa, você pode desfrutar a virada do ano em... São Paulo. É o que nos diz a matéria de Alexandre Bazzan para o Estadão, que você pode ler aqui.

De acordo com a reportagem, os preços de hospedagem em alguns hotéis do litoral norte de São Paulo durante o réveillon equivalem a uma semana em Paris, Madri ou Berlin. O Hotel Aldeia de Sahy, por exemplo, possui pacotes para duas pessoas que variam de R$ 11 mil a R$ 13 mil. Por esses mesmos R$ 13 mil o casal pode curtir a virada do ano em Roma – passagens aéreas inclusas. Se a grana estiver curta, Lisboa ou Madri saem por R$ 8 mil e R$ 10 mil o casal.

Que hotéis brasileiros queiram aproveitar a virada do ano para faturar, nada contra. Sou ferrenho defensor do bom e velho capitalismo. Também não questiono a qualidade desses hotéis – muitos possuem padrões internacionais – apesar de hotéis europeus com a mesma qualidade não cobrarem esse absurdo.

O que me espanta é o fato de brasileiros desembolsarem pequenas fortunas para permanecerem no Brasil durante o réveillon. Ora, se tenho à disposição treze ou quinze mil reais para viajar, a última coisa que eu quero é ouvir pessoas falando português ao meu redor.

O Brasil eu o tenho o ano inteiro. Se é possível escolher, por que me acotovelar entre brasileiros pulando sete ondinhas na praia, se posso ver a queima de fogos na Torre Eiffel, ouvindo a língua de Descartes acompanhado de bom vinho? Ou caminhar pelas ruas cobertas de neve na Alemanha, apreciando a arquitetura e a história viva ecoando pelas paredes. Ou ainda curtir a animação dos madrilenos e todos os encantos que a Espanha oferece.

As pessoas que pagam caro para ficar no Brasil vivem em ‘bolhas’. São os que dizem que este é o melhor país do mundo e, mesmo quando viajam para fora, não se esforçam para aprender outro idioma e cultura. É o sujeito que vai ao Japão e acha tudo horrível porque lá não tem feijoada e churrasco.

E, claro, além do motivo cultural (ou a falta dele), há o fator status. O brasileiro, em especial o paulista, adora pagar caro para se exibir. Não é o fato de ir a um bom restaurante ou possuir um bom celular, mas sim ser visto nesse restaurante portando o celular. Ele sequer sabe mexer no celular e nem gosta dos pratos do restaurante – mas se todo mundo vai, ele tem que ir também. Perde-se aí duas capacidades intelectuais essenciais: a opinião e a comparação.

Enfim, o Brasil oferece boas opções para quem vai ficar por aqui no réveillon. E não chegam nem perto dos valores cobrados por esses hotéis.

Se você não tem condições de escapar e vai ficar no Brasil na virada do ano, faça um favor ao seu intelecto (e ao seu bolso): Não pague caro para ouvir pessoas falando português.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Sobre a inutilidade das estatísticas e institutos de pesquisa

O país viveu em outubro de 2014 um surto de indignação em relação aos institutos de pesquisa e suas estatísticas furadas durante as eleições, o que gerou piadas referentes às tais ‘margens de erro’. Margens largas e generosas, pelo visto, pois erraram (?) miseravelmente as previsões de primeiro e segundo turno entre Dilma e Aécio.

O que espanta não são erros do Ibope ou Datafolha. Espanta é ainda ver gente acreditando nesses números. Acreditar em pesquisas (qualquer uma), por mais ‘cientificas’ que sejam, é o mesmo que acreditar em horóscopo. Aliás, a semelhança entre os dois é muito maior do que você imagina.

Conheci uma pessoa que escrevia os horóscopos de vários sites e jornais. Do alto de seu conhecimento esotérico, as previsões eram escritas assim:

“Áries: Deixa ver... Hã... Para este site acho que Áries hoje está em um momento romântico e deve prestar atenção nos sinais, pois a alma gêmea está perto. E cuidado com gastos desnecessários para não ter surpresas no fim do mês.”

E então ele inventava um texto diferente para outro site, quando não requentava ‘previsões’ de anos anteriores.

De forma semelhante, tive um colega que trabalhou no Ibope e contava que vivia arredondando números e modificando resultados de pesquisas a mando dos superiores – estes por sua vez obedecendo ordens de cachorros maiores.

Por isso, não apenas desconfie, mas não dê crédito a nenhuma pesquisa ou estudo publicado – mesmo que os resultados favoreçam sua opinião.

Sem ir tão longe, conto uma experiência pessoal:

Em meus dias de Gerente de Operações em uma agência de propaganda, atendíamos a conta de uma conhecida empresa. Tudo ia bem, não fosse a intragável menina do marketing dessa empresa, que fazia a ‘ponte’ com a agência e era nosso contato direto. Não foram poucos os embates que tive com ela.

Resumindo bastante, ela arrumou confusão com praticamente todo mundo com quem teve contato e a simples a menção de seu nome causava pavor. Pessoas que eu nem conhecia direito me chamavam de lado querendo saber se ela era grossa e estúpida assim mesmo ou se era bipolar.

Certa feita, a tal empresa resolveu promover um de seus produtos para o mercado corporativo. Montaram toda a estrutura do evento, que seria realizado no salão de convenções de um hotel e transmitido ao vivo pela internet em um site específico.

Na agência fizemos o site, que seria removido um mês depois do evento. Terminada a data prevista, tiramos o site do ar. Naquele dia, a menina do marketing me pediu o relatório de acessos do site. Disse que mandaria em seguida e fui verificar as métricas.

Qual não foi minha surpresa ao notar que minha equipe havia esquecido de inserir o código de contagem de acessos em todo o site. Não havia informação alguma a ser extraída. Nada. Zero.

Após me recuperar de uma semi parada cardíaca, cogitei alternativas para o problema, mas não via solução. Era preciso explicar que não sabíamos quantas pessoas acessaram o site porque não colocáramos os códigos de rastreamento. O simples fato de imaginar a reação da menina do marketing já me fazia querer começar a mandar currículos.

Então pensei em uma alternativa. Liguei para o gerente da área de B.I. (Business Intelligence), que era nosso especialista em números e relatórios, e pedi para ele vir até a minha mesa. Expliquei o problema e disse que precisávamos desses números. “Impossível”, disse ele, “não dá pra tirar números do nada”.

Eu disse que sabia disso, mas perguntei se ele não poderia fazer alguma ‘mágica’, afinal, ele mexia com isso o dia inteiro. “Só se eu inventasse os números, mas isso seria mentir para o cliente”, ele respondeu. “Não é melhor pedir desculpas e dizer que não acontecerá de novo? Eu falo com seu contato e explico tudo, se quiser”, ofereceu-se o especialista em números.

Obrigado!”, agradeci. “Vou ligar agora para a Fulana e coloco você na linha”, respondi.

Ah... É ‘ela’...?”, gaguejou o especialista em números.

Ficamos em pé nos encarando por uns dois minutos. Então ele puxou uma cadeira, abriu o Excel e começou a digitar: “O evento começou no dia tal, deve ter dado tantos acessos. No fim de semana caiu um pouco, depois podemos aumentar o número na semana seguinte...”.

O ‘relatório’ ficou pronto em uma hora, com direito a gráficos, slides e recomendações.

Enviei o relatório para a Fulana e fomos elogiados pelo trabalho. Sabe quem mais viu esse relatório? Ninguém. Sabe o que fizeram com aqueles números? Nada. Sabe o que as empresas fazem com todas as informações que coletam? Coisa alguma.

Relatórios, pesquisas e dados não servem para absolutamente nada porque as empresas não sabem o que fazer com eles. Sabem apenas que precisam de estatísticas porque alguém pediu. E, por isso, tanto faz se os números são reais ou não – mesmo que seja para mostrar para os chefes e depois nunca mais olhar para eles.

O mesmo vale para os inúteis institutos de pesquisa. Não importa se o que divulgam é verdade ou mentira. Amanhã ninguém vai lembrar. Além disso, eles podem alterar os resultados de um dia para o outro, usando apenas algum ‘vento que sopra do oeste’ como parâmetro.

É por essas e outras que considero tais institutos um desperdício de tempo, dinheiro e pessoas. Melhor fariam se dedicando a causas mais nobres, como calcular a probabilidade de uma pessoa ser morta por uma queda de coco na praia em vez de ser atacada por tubarão.